quinta-feira, dezembro 11, 2008
Vale Abraão

Quandi vi pela primeira vez Vale Abraão pareceu-me o mais belo filme do mundo. Muito se deve a esse fenómeno de derradeiro Cinema que o filme de Oliveira constitui, elevando a imagem a um patamar sagrado, uma candura intocável, de um fulgor que faz fervilhar olhar e pensamento, que anestesia os sentidos.

Há um cosmos vital que habita o olhar de Ema, a mulher protagonista, força implacável e devastadora da natureza. Ema representa-nos a todos pela mais simples das causas: é um ser incompleto. Por conseguinte, um ser que parte em demanda, auto-descoberta: o seu papel social, familiar, sexual. Ema joga com os olhares, com as palavras, com os reflexos, emanando essa aura encantatória sobre os que a rodeiam. Seres incompletos também, nessa jornada de predadores e presas (no amor como na caça: Renoir sente-se nesse campo do jogo social).

E cabe tudo num só enquadramento de Oliveira, do aprisionamento à libertação absoluta da alma. Porque aqui, em estrutura antropocêntrica, sabe-se que o gesto controla tudo. Não podemos esquecer os pormenores, os olhares, os silêncios que tudo assaltam, invadem, perturbam. É por demais sufocante, por demais humano. Sempre a verdade daquela gente mostrada em planos subjectivos, como se cada um deles julgasse conhecer a índole do outro. Não poderiam estar mais enganados. E mesmo assim são seres sempre prontos ao sacrifício, porque condenados às mais abruptas ilusões, porque se entregam às cegas. Gente inventada esta? Demasiado real, palpável.

Num constante pulsar de desejos, de confissões, escava-se fundo no coração daquelas personagens. É trágico apercebermo-nos da sua fatalidade, submissão, pensamento falacioso, ânsia do corpo e de carne. Porquê? Porque estamos perante uma das mais perfeitas projecções do ser. Não começasse tudo, do pecado à volúpia, com a morte. Sobra apenas a mágoa: Carlos apaixona-se por Ema por essa tristeza infindável que o seu rosto lhe sugere. O despertar do amor como percepção da tragédia.

No final, como Godard em Vivre Sa Vie, Oliveira pintara quadro demasiado perfeito. Não há nada a fazer senão destruí-lo.
posted by Carlos Pereira @ 6:04 da tarde  
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