
Mal nascida. Mal criada. Mal amada.
É o que nos fazem crer antes de entrarmos na sala de cinema. É assim que nos guiam durante a primeira parte do filme. Mas Lúcia não é assim.
Lúcia é uma pessoa sem corpo, sem alma, apenas com uma vontade cega de fazer justiça com as próprias mãos. Algo que ninguém à sua volta compreende mas que, na verdade, é somente a
sua justiça. Lúcia sofre, nas mãos da mãe e do padrasto, e por si mesma, carregando uma dor que não é a sua.
A figura de Lúcia, fantasticamente interpretada por Anabela Moreira, encarna o recalcamento das tradições e a defesa das verdades absolutas. Representa a teimosia de não encarar os factos, de ser fiel a uma pessoa que nunca existiu da forma como a vê.
Gostei muito do filme mas não gostei de Lúcia. Uma pessoa dura, rude, que talvez se desconheça a si própria e que, no interior profundo, no isolamento, encontrou na vingança das pequenas coisas a sua razão de viver.
Mal Nascida é um filme cru, que mói, é filme com um ritmo muito próprio, que também por isso nos transporta para um fim de mundo, um sítio que não queremos acreditar que ainda exista… Existe, de facto, e apresenta-se na perfeição perante nós, pelo seu elenco de luxo: o grande desempenho (na minha opinião, o melhor) de Fernando Luís – o padrasto violento –; Márcia Breia – a mãe que «parece» não sofrer –; e Gonçalo Waddington – o desconhecido que vem mudar o rumo e a vida de Lúcia.
Canijo é actualmente, a par de Pedro Costa, o grande cineasta português. Já nem falo de Oliveira, que passou a lenda viva.