Não posso deixar de começar este comentário com a seguinte afirmação de espanto: Mas o que raio passou pela cabeça de Tarantino e Rodriguez quando esperavam pelo sucesso comercial desta sua delirante proposta de revisitação
Grindhouse? Numa altura em que as mentes dos espectadores e, acima de tudo, dos distribuidores e estúdios cinematográficos está cada vez mais formatada por banalidades formulaicas, não surpreende absolutamente nada que o arrojo temático extremo deste projecto acabasse por dar para o torto em termos financeiros. Não é também nada complicado imaginar o espectador desprevenido a gritar obscenidades para o ecrã quando vê riscos na película, falhas no som ou, a certa altura, o filme é interrompido devido a “uma bobine em falta”, continuando depois com a acção completamente alterada.
À partida, o parágrafo anterior pode levar o leitor a concluir que a minha apreciação do filme é negativa, mas tal não podia estar mais longe da realidade. Com tudo aquilo, quero apenas dizer que me parece que o único destino de sucesso da dupla
Death Proof/Planet Terror só pode passar pelo público cinéfilo, capaz de compreender as origens e intenções de todo o conceito. E depois, entre esses, uns gostarão, e outros nem por isso, mas parece-me muito pouco provável que especialmente
Planet Terror consiga agradar ao público comum, chamemos-lhe assim. É que a abordagem aos velhos
exploitation movies dos anos 70 e 80 é aqui conduzida ao extremo, com cenas delirantemente ridículas, soluções narrativas propositadamente banais e preguiçosas e muito, muito
gore, com sangue, tripas e muito mais espalhados por todo o lado.
Se Tarantino apostou no imaginário das perseguições automóveis como forma de explorar as suas habituais obsessões autorais, Rodriguez também se manteve fiél ao seu cinema, menos requintado e brilhante, mas sempre de grande energia e imbuido no inevitável espírito “xunga”. Tal como havia feito em
From Dusk Till Dawn, ainda o seu melhor filme, o realizador pega em monstros zombificados (no filmes anterior eram vampiros, agora são
zombies, mas acaba tudo por dar no mesmo) e coloca um grupo de humanos a tentar escapar à mordidela, disparando contra tudo o que move. Num filme também ele carregado de homenagens (Carpenter, Romero...), Rodriguez preocupa-se mais em divertir-se com a sua história do que em se transcender, e isso fá-lo com total aprovação, recorrendo a alguns dos seus “truques” mais deliciosos, que passam pela criação das armas mortíferas mais improváveis (agora é uma mítica perna/metralhadora, depois da mítica metralhadora genital), do derramamento de sangue a rodos e um sentido de (auto-)paródia cinematográfica que lhe fica muito bem.
Como já disse antes, é preciso entrar no espírito e compreender o conceito antes de embarcar nesta aventura, mas uma vez cumpridas essas condições, não creio que haja lugar para desilusões. Desde a sensualidade de Rose McGowan (que abre as hostilidades com um belo strip acompanhado de lágrima ao canto do olho) ao carisma de Freddy Rodríguez, todos parecem estar a divertir-se à grande, divertindo-nos também. Tal como o realizador, seja na orquestração das mais repugnantes cenas do ano, seja na exploração visual dos atributos femininos tão ao jeito dos velhos
exploitation. É de louvar a forma como Rodríguez procura o ridículo e depois... o ultrapassa sem preconceitos de qualquer espécie. Não é genial, tudo bem, mas nenhum filme com pernas matadoras pode ser mau, e este está longe disso. Pena é que o futuro não augure nada de bom para outras obras do género...



