quarta-feira, dezembro 05, 2007
Paranoid Park


Se há autor que nos últimos anos se tem vindo a destacar por uma carreira bastante curiosa, construída entre as suas origens independentes e algumas “regras” hollywoodescas, esse alguém é Gus Van Sant, que nos últimos 10 anos tanto foi nomeado para os Oscar ou assinou o remake de Psycho, como conquistou a Palma de Ouro em Cannes por um filme sem estrelas e feito totalmente à margem do sistema, Elephant. Ainda assim, os mais recentes filmes do realizador americano têm enveredado pela onda indie, e Paranoid Park surge como mais um (belíssimo) exemplo desse estilo tão peculiar que Van Sant tem vindo a criar, onde o tema da alienação de uma certa juventude vive de braço dado a uma abordagem estilística muito própria, que distingue o trabalho do seu autor de qualquer outro cineasta da actualidade.

Nas palavras do próprio autor, o romance em que se baseia Paranoid Park, de autoria de Blake Nelson é uma espécie de conto noir sobre um crime acidental, e foi com essa intenção que partiu para a sua abordagem cinematográfica, a da exploração das regras e convenções do film noir. Imagino que o resultado não andasse muito afastado do que aquele que vimos no ano passado em Brick, também esse um film noir situado no seio de um liceu norte-americano. No entanto, enquanto desenvolvia o tema, Van Sant acabou por aproximar o material à sua sensibilidade muito pessoal, e o que daí resultou foi mais um olhar desencantado mas ainda assim sensível sobre o desencanto juvenil, não apenas na América como no mundo, devido aos sentimentos universais que percorrem todo o filme. Assim, o resultado acaba por se revelar bastante empolgante, à medida que vemos o autor a quebrar as convenções do género que se propôs inicialmente trabalhar, ao mesmo tempo que consegue manter o mistério sobre a sua principal narrativa.

Mas não é na trama que está o sumo de Paranoid Park, e sim na essência do seu protagonista, o jovem Alex (interpretado pelo estreante Gabe Nevins), e naquilo que se esconde por detrás do seu olhar, que tanto capta o desencanto do mundo dos adultos à sua volta (nomeadamente a indiferença dos pais divorciados, que o fazem inclusivamente afastar-se da namorada por esta querer manter uma relação séria e, consequentemente, mais adulta), como o fascínio pela comunidade de skaters que frequentemente visita o Paranoid Park (um parque ilegal de prática de skate). No fundo, o problema de Alex é maior do que esse, e passa pela procura universal do seu lugar no mundo. E também da liberdade, que tanto pode estar nas palavras escritas numa carta confessional, como num skate, como enquanto deitado no chão encarando as núvens, como pendurado no vagão de uma locomotiva.

No fundo, são estes pedaços de vida aos quais a câmara de Van Sant se prende, tentando captar a sua essência e criando essa linguagem cinematográfica tão própria, deixando a sua sugestão de enredo sempre em plano secundário. Por vezes, a câmara limita-se a captar essa essência, fixando-se no movimento dos seus actores, nos seus rostos, nas suas palavras nem sempre fundamentais para o desenrolar da trama mas sim para se exporem diante de nós. Até na música podemos encontrar essas sensações escondidas que, em conjunto com algumas belíssimas imagens de Christopher Doyle (o director de fotografia), ajudam a criar fabulosos momentos de puro cinema. De certa forma, podemos ver Paranoid Park como um filme de silêncios, de olhares, de sensações. É um filme desesperado em encontrar a vida, sempre com a sombra da morte pairando no ar. É também uma das belas obras de 2007, e uma excelente proposta para este final de ano.

posted by Juom @ 1:20 da tarde  
2 Comments:
  • At 9:10 da tarde, Blogger ana david said…

    Excelente texto. Sem dúvida um dos filmes do ano.

     
  • At 6:15 da tarde, Blogger Álvaro Martins said…

    Essa "linguagem cinematográfica tão própria" de Sant não é assim tão própria. Para quem não conhece Béla Tarr é desculpável esse erro. Gus Van Sant é um confesso admirador do cineasta húngaro e toda a mise-en-scène que tu chamas de própria não é mais do que uma incrível influência do cinema (esse sim próprio e brilhante) de Béla Tarr. A lentidão com que a câmara se move, a procura de sensações quer humanas quer naturalistas, o raccord, etc, tudo que Sant fez neste Paranoid Park, no Gerry, no Elephant e no Last Days advém da sua admiração em Tarr, cineasta que, na minha opinião, se estabelece como o melhor ainda vivo.

     
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