
Por Paulo
Como saberão perfeitamente aqueles que conhecem o seu trabalho, Lars von Trier é um realizador bastante... diferente. Começando na forma, e acabando no conteúdo, os seus filmes são sempre obras que se destacam por um grande arrojo, seja quando decide quebrar as regras tradicionais da linguagem cinematográfica, seja quando decide apresentar-nos assuntos polémicos (diga-se, em boa verdade, nunca um acontece sem o outro na sua obra). A meu ver, Dancer In The Dark surge como um espécime perfeito das maiores virtudes do cinema do dinamarquês. Primeiro, porque consegue o essencial: comover-me dolorosamente com a história tocante de Selma (Björk, numa interpretação verdadeiramente brilhante), uma mulher que apenas quer poder pagar ao filho uma operação aos olhos de forma a evitar a cegueira hereditária que também a afecta. Depois, porque a forma como filma esta história (totalmente rodada em vídeo) dificilmente poderia ser mais bem conseguida - os números musicais cheios de cor, coreografia e melodias criadas pelos instrumentos mais banais (desde um combóio às máquinas da fábrica onde trabalha Selma) contrastam com a bruta realidade, dolorosa e descolorida da vida da sua protagonista.
Acima de tudo, aquilo que mais me encanta neste filme, remete para o olhar que exerce sobre o cinema - sobre quem o vê (não é, certamente, à toa que o problema de Selma é estar a ficar cega), mas também, e especialmente, sobre os seus efeitos no ser humano, uma vez que Selma, fã acérrima de musicais, não perde uma oportunidade para escapar até eles e afastar-se da crueldade do mundo, criando mesmo momentos arrebatadores que estiveram bem perto de me levar às lágrimas assim que o vi pela primeira vez. Ao contrário do que acontece com Dogville, que o meu colega Pedro tratará de defender e possivelmente contrariar, onde tudo não me parece passar de um vazio e redutor exercício sobre a crueldade humana, sem nada que o justifique.

Por P.R
Neste frente-a-frente, é me bastante complicado escrever um texto acerca de Dogville. Para este facto contribuem dois aspectos: o facto de ser um dos meus filmes de eleição de sempre, e a constatação natural que Dancer in the Dark é um excelente filme. Comecemos talvez por aqui. Dancer in the Dark é sem dúvida um belíssimo filme. A história dolorosa, a actriz excepcional e a reinvenção do género musical à la Lars VonTrier, compõem uma tríade perfeita. Não existindo Dogville, e este seria o "meu" filme de Lars Von Trier.
No entanto, Dogville existe. Em 2003,o realizador Von Trier traz até nós a sua verdadeira obra-prima, o seu legado na reconstrução da arte e do próprio cinema. Fundindo as virtudes de teatro, literatura e cinema, a simbiose dos três géneros não só é notável, como, na minha opinião, é pioneira no seu experimentalismo. Com um mise-en-scene absolutamente inacreditável, com uma ausência de cenários e adereços propositada para o espectador centrar a sua atenção na evolução da personagem de Grace (Nicole Kidman numa interpretação absolutamente perfeita) , o olhar de Trier é cru, pessimista e demonstrativo da podridão da natureza humana. O espectador é exactamente isso, um observador do homem e dos sentimentos mais básicos. E o que se vê é um grito de revolta, um grito de alerta, uma constatação que mesmo o homem evoluído, sucumbe aos seu mais primários instintos. Se o filme não é excessivamente violento? Talvez… Mas sinceramente não creio que o que vemos em Dogville seja tão diferente da realidade actual. O filme assusta porque é verosímil. Marca porque nos revemos nas personagens mesmo não o querendo.
É fácil não gostar de Dogville. Pensar que tudo não passa de um argumento exagerado do lunático Lars Von Trier devolve-nos a tranquilidade. Sim, porque a visão é de facto pessimista, mas todos sentem que é verdadeira. E vocês? Dancer in the Dark ou Dogville?
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Ambos, sem dúvida!