domingo, fevereiro 19, 2006
Luz na Cidade




















Finalmente uma ida ao teatro. Se ir ao cinema é sempre uma experiência agradável e surpreendente por não sabermos exactamente o que nos espera, as minhas idas ao teatro são ainda mais intensas. Não que um filme não possa ter uma intensidade imensa, que nos arrebata, mas quando temos diante de nós uma história, ao vivo e a cores, é muito diferente. É quase como uma seta que vai directa ao coração. Não é a mesma coisa quando alguém conta a sua vida e a partilha com um público presente; não é mesma coisa quando alguém tem um ataque de choro a dois metros de distância de nós. E depois, ao mesmo tempo que queremos levantar-nos e dizer-lhe que está tudo bem, ouvimos aquela voz que nos diz “Fica quieta e deixa-te levar. Espera pelo que vem a seguir.” É isso que acontece no teatro. No teatro, é muito mais difícil deixarmo-nos envolver, exactamente porque a pessoa está ali mesmo, é palpável, podemos sentir a sua respiração e o seu olhar no nosso. E quando esse olhar não é real nem intimamente estabelecido, não há solução senão apreciarmos tão somente a história e pensar sobre o que é dito.

Luz na Cidade é uma peça onde isso aconteceu por alguns momentos. Se aquela sala vermelha, o espaço em si, proporcionava uma intimidade com os actores e uma proximidade pouco usual, houve alturas em que parecia existir uma certa desconexão com o palco, na minha opinião essencialmente provocada pelos pequenos filmes que separavam as cenas e que procuravam prolongar um pouco mais a vida de cada um dos personagens.

De qualquer modo, dá-me sempre um enorme gozo ver teatro. Talvez por não ser um ritual tão frequente como ir ao cinema, ganha um gosto, uma adrenalina especial. Desta vez, foi muito bom poder reconhecer no actor Rui Mendes um grande talento. Muito melhor no palco do que na televisão, sem dúvida. Uma naturalidade imensa, um discurso que nos faz pensar na vida a dois, no futuro e inclusive na morte. A morte acaba por ser o mote para pensarmos atentamente em tudo aquilo que fazemos na vida, sobre as nossas escolhas e decisões.

É nisso que se reflectem as restantes personagens, são elas mesmas o resultado das suas opções. São José Correia está de facto muito bem, com uma presença em palco muito forte. A única cena de que faz parte é suficiente para demonstrar o seu talento e a sua capacidade para envolver o público. Puxa por nós e quase que nos coloca na sua pele, sentindo o seu sofrimento e a sua perda. Por fim Marco Delgado, a personagem que é o fio condutor de toda a história, e Nuno Gil. A cena entre os dois é muito sentida, tocante até, apesar de se tratar de um encontro ao mesmo tempo propositado e casual. A relação que se estabelece entre os dois é bem conseguida em alguns momentos, na minha opinião nos mais difíceis e desconfortáveis. É com a ajuda de Nuno Gil que a personagem de Marco Delgado consegue entregar-se à sua vontade e à sua inexperiência, abraçando o seu verdadeiro eu.

Assim, esta peça vale a pena essencialmente pela sua capacidade de nos fazer reflectir, pensar sobre as nossas escolhas e nas suas consequências. Além disso, consegue prender-nos pelo facto de podermos pensar que a libertação de uma pessoa pode conduzir à libertação do próximo, e que a decisão de pôr o passado para trás das costas depende somente de nós. No fundo, é importante não esquecer que “a realidade não são os factos, mas a forma como eles nos fazem sentir”.


posted by Ana Silva @ 9:34 da tarde  
2 Comments:
  • At 10:24 da manhã, Blogger P.R said…

    Luz na cidade é, na minha opinião, uma peça diferente. De facto, não é muito usual os actores só estarem em palco uma única vez, como acontece com dois dos protagonistas. Gostei, mas é uma peça que vai crescendo à medida que o tempo passa e se tem momentos muito bons, também tem outros mais fracos. E parece que a homossexualidade está cada vez mais na ordem do dia ;)

     
  • At 10:13 da tarde, Blogger Ana said…

    que saudades de ir ao teatro...

     
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