sexta-feira, dezembro 28, 2007
Redacted


Depois do magnífico The Black Dahlia que nos ofereceu no ano passado, Brian De Palma regressa com um dos mais controversos filmes do ano, inpirado num caso verídico ocorrido durante a invasão americana no Iraque, que culminou na violação e assassínio de uma jovem iraquiana e da sua família por parte de soldados americanos. O assunto não será propriamente uma novidade para o realizador, que já se tinha debruçado sobre um tema semelhante em Casualties of War, dessa vez com o Vietname como pano de fundo. As intenções do realizador são claras (ele próprio referiu-o várias vezes): denunciar as atrocidades de guerra cometidas numa invasão violenta com pretextos bastante duvidosos. No entanto, aquilo que destaca Redacted de qualquer outro filme de guerra que o tenha precedido é a sua abordagem inovadora.

Sempre fascinado com as possibilidades do meio, De Palma construiu um filme todo ele baseado em imagens reais difundidas na internet, que os grandes meios de comunicação, nomeadamente a televisão, se recusaram a mostrar. Assim, quase todo o filme tem um ponto de vista fundamental: o da câmara de um soldado aspirante a estudante de cinema que pretende retratar a guerra a partir dos campos de batalha até porque, segundo ele, “a câmara não mente”. Essa abordagem altera, obviamente, todo o trabalho da encenação dramática, inclusivamente o dos actores, que têm constantemente de actuar como pessoas comuns na presença de uma câmara. De Palma sabe que a presença dessas câmaras por si só condiciona o comportamento humano, e estes só se revelam verdadeiramente quando não sabem estar a ser filmados. Daí o seu título, forte e directo, que deixa de imediato assumir estas como as verdadeiras imagens de guerra, aquelas que não podem ser vistas por exporem demasiado.

Com efeito, basta recuarmos um pouco até ao seu filme anterior, até às cenas (as melhores) em que Mia Kirshner enfrentava as câmaras de cinema e, consciente do seu fracasso, se expunha diante delas, como que deixando registados esses sentimentos pessoais tão dolorosos, como se apenas as câmaras, entre tantas mentiras que possam contar, pudessem só elas também captar esses momentos de verdade. Essas cenas tinham a particularidade de ser perfeitamente audível, atrás das câmaras, a voz do próprio realizador comandando as operações. Realizador esse que é também responsável por essa manipulação da imagem de acordo com os seus objectivos. Redacted recupera essa experiência, com um soldado americano confessando perante uma câmara (desta vez fotográfica) a dolorosa experiência que para sempre lhe mudou a vida e, novamente, atrás dessa câmara, num golpe de profunda ironia (não por acaso, o filme presta homenagem a Barry Lyndon de Kubrick, também ele de tom bastante satírico e mordaz), podemos ouvir De Palma em fundo, o manipulador por excelência, que finalmente acaba por registar na foto apenas o sorriso doloroso do soldado, como se a sua confissão anterior não contasse, uma vez que nunca ficou registada. Posteriormente, as imagens verdadeiras da guerra (também elas censuradas por motivos legais, escondendo as caras das verdadeiras vítimas) culminam esta brutal experiência cinematográfica.

Brian De Palma mantém intacto o espírito cáustico que caracteriza muita da sua obra, e desta vez não poupa grandes esforços para atacar essa censura tão presente nos media. Talvez por isso, o filme tenha sido brutalmente atacado em diversos programas televisivos americanos, e acusado de ser anti-patriótico, mas as intenções de De Palma não parecem passar de todo por aí. A guerra desumaniza o Homem, e esse sentimento de frustração está bem patente nos soldados, e mesmo aqueles que se revelam as tais “maçãs podres” têm direito a expressar as suas motivações, especialmente quando o cenário remete para uma guerra que vêem como absurda e sem qualquer razão de existir. Isso, por sua vez, remete-nos para a questão central do filme: a de tentar perceber como é que, num mundo bombardeado por informação e meios de comunicação e reprodução de imagens, ninguém saiba realmente o que se está a passar. Goste-se ou deteste-se, Redacted é sem qualquer dúvida um dos mais importantes acontecimentos cinematográficos do ano, e deve ser visto por todos.

posted by Juom @ 7:25 da tarde  
2 Comments:
Enviar um comentário
<< Home
 
 

takeabreak.mail@gmail.com
Previous Post
Archives
Cinema
>> Críticas
>> Filme do mês
>> Grandes Momentos
>> 10 Filmes de Sempre
>> Balanços
"Combates"
Críticas Externas
Música
>> Concertos
>> Discos
>> Sugestão Musical
>> Video da Semana
>> Outros
Teatro
TV
Literatura
Outros
Links
Affiliates