segunda-feira, fevereiro 06, 2006
As Intermitências da Morte


José Saramago é, indiscutivelmente, um dos principais autores portugueses contemporâneos e um expoente máximo da literatura portuguesa, levando a nossa cultura além-fronteiras. Independentemente do Nobel que ganhou, a verdade é que a sua escrita destaca-se pela sua fluidez que em nada é prejudicada pela ausência de pontuação. De facto, os tão famosos e polémicos parágrafos de uma página sem um único ponto final são, na verdade, reveladores da excelência da escrita de Saramago pois poucos conseguem manter uma coerência e um fio condutor durante tanto tempo. Na verdade, ler Saramago não é fácil, uma vez que o autor exige do seu leitor a mesma dedicação e atenção com que ele escreve os seus livros. De facto, somos levados pela mão por este grande autor que nos leva a experiências únicas e reveladoras da sua forma de estar na vida sendo que, ao mínimo resvalo, somos abandonados dentro da própria história e será com grande dificuldade que nos voltaremos a encontrar. É exactamente tendo em conta este facto que se deve partir para a leitura de As Intermitência da Morte, um livro que, apesar de não ser evidente, tem mais uma vez como palco Portugal, esse país que ostracizou um dos maiores escritores da literatura portuguesa.

As Intermitências da Morte é um livro que vive de dois momentos distintos, os quais não devo revelar para não minimizar o impacte de quem o lê. De facto, o livro começa com a constatação de que a partir do dia em que a acção começa ninguém morre. Então, se nos primeiros dias a contentação reina por todo o país, a verdade é que, passado algum tempo, muitos problemas se colocam, desde a falência de negócios como os das funerárias, passando para a sobrelotação dos hospitais e acabando no grande transtorno que são para os mais novos a presença dos mais velhos que a partir desse momento se transformam em fardos permanentes e eternos. Para todos aqueles que já leram O Ensaio sobre a Cegueira, é lhes mais fácil adivinhar a negritude e a esperança nula que se avizinha. De facto, mais uma vez, sentimos a desilusão perante a condição humana, a ideia de homem como animal quando tem que lutar pela sua sobrevivência, neste caso, quando tem de lutar pela sua morte. Assim, penso que é explícita a ironia presente em toda esta história, a destruição dos sonhos do comum mortal de querer ser eterno, e o fomentar da ideia de morte como um fim natural e essencial para a continuidade da espécie humana. No entanto, Saramago não fica por aqui e torna este retrato quase sociológico num relato quase romanceado onde temos como protagonista central a própria morte (com minúsculas). Não esperem, contudo, um romance à Nicholas Sparks, uma vez que Saramago não se pauta por temáticas excessivamente romântica, esperem sim apenas uma história muito original, irónica e extremamente interessante. Na verdade, os diálogos entre a morte e a personagem principal, o violencelista, são extraordinários e dignos de constatar na secção do melhor de Saramgo, se é que é possível haver um melhor e um pior na sua obra.

Fica então feita a sugestão, uma vez que este post já vai longo. Caso estejam renitentes em ler este livro façam-no, com a garantia que embora a morte seja certa, ler As Intermitências da Morte não é, de modo algum, um desperdicio de tempo.


posted by P.R @ 10:05 da manhã  
1 Comments:
  • At 11:08 da tarde, Blogger Navalha said…

    Ora bem: "As intermitências da morte" é, efectivamente, uma obra de valor, com um sentido de humor muito próprio, uma história original, e uma estrutura ao nível da escrita digna de quem a escreveu. Creio que, para quem leu pouco de Saramago e se encontra um pouco renitente (ou intermitente, depende)este é um livro excelente para começar. A escrita é aquela que comummente aprendemos a desginar como sendo "à Saramago",sem ter, porém, a construção mais densa que encontramos em outros livros dele. Pessoalmente, li-o há bem pouco tempo e gostei.Ainda assim, depois de ler um ou outro portento literário de Saramago, como é o caso do "Ensaio sobre a cegueira" de que o Pedro falou, mas também "Evangelho segundo Jesus Cristo" e "Ano da morte de Ricardo Reis", não consigo deixar de pensar que Saramago sentiu necessidade de o terminar rápido, de se despachar, não fosse dar-se o caso de a sua morte não fazer greve.

    P.

     
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