
Sejam bem-vindos ao “Da Cobra”, o bar da ‘bicharada’. O bar onde se encontra de tudo um pouco: o contador de anedotas que só nos faz rir por pena, o velho bêbado mas vivido, a mulher mal amada e a que pensa que sabe o que quer mas na verdade tem medo do mundo. O cenário está sempre a meia-luz, cheio de tons amarelados e avermelhados que transparecem o peso do que é sórdido e sujo. Ao mesmo tempo, o ambiente parece ser amenizado pela banda que permanece sempre em palco, compactuando individualmente com cada personagem: tocando para ela, com ela, juntando o seu tom às vozes que vão surgindo no decorrer da trama. Quase todas as personagens (note-se, todas anónimas) têm o seu momento de protagonismo. O tom mesclado do palco vai dando lugar ao foco branco que destaca os pormenores de cada uma das vidas representadas. As mulheres são as usadas, as oferecidas, mas também as mais sofridas e tristes. Os homens mostram-se fortes, fazem “aquilo” e “aquiiiilo”, e revelam-se resistentes e dominadores. De facto, a trama parece-nos bastante clara até Diogo Infante entrar em cena. A sua personagem, que divide com Patrícia Vasconcelos (ao que tudo indica, uma estreante nestas andanças) representa o híbrido das nossas vidas, aqueles dias em que não sabemos bem quem somos ou o que queremos, aqueles momentos em que nos apetece fazer algo diferente e romper com os clichés sociais, ou aqueles em que simplesmente não queremos ter de escolher.
Apesar dos pormenores ricos e bastante peculiares da peça, como é o caso do ‘espelho’ que, mudo, nos conta mais um pouco de cada personagem, não posso dizer que “O Assobio da Cobra” é uma peça imperdível ou absolutamente fantástica. Há qualquer coisa que não nos consegue fixar, que não nos faz apaixonar. Por um lado, posso atribuí-lo à escassez das grandes vozes, um elemento típico e essencial nos musicais. Se temos de facto um elenco com grandes nomes (Diogo Infante, João Cabral, João Reis, Lia Gama…), as grandes vozes ficam pelo caminho, pois, na minha opinião, somente Diogo Infante consegue cantar a plenos pulmões, dominar o palco e ter pequenos grandes momentos ao longo da peça. O que realmente parece falhar é a sequência e encadeamento da história. Vão-nos lançando pequenas histórias, detalhes soltos, momentos musicais que não se enquadram na trama… enfim, acaba por ser um conjunto de pontas soltas que nunca se encontram e que acabam por não nos deixar apreciar o espectáculo de forma plena. Ainda assim, não posso deixar de referir a grande performance de Pedro Laginha e a qualidade de algumas das músicas apresentadas, da Ala dos Namorados.
É com alguma pena que deixo aqui esta mera opinião, de que “O Assobio da Cobra” não nos faz cair em tentação, nem nos deixa a vontade de olhar para trás, de aceder ao dito ‘assobio’. Este “Da Cobra” tenta mostrar-nos a metáfora da vida real, da vida que às vezes “parece que está um pouco curta nas mangas” mas que não é suficientemente sólida para enfiarmos a carapuça. Deixa-nos só algumas palavras no ouvido…
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Também fui ver a peça a cerca de duas semanas, e saí com as mesmas sensações. É divertido, tem algumas ideias de mise-en-scène, mas nada de realmente empolgante. Falta sobretudo uma verdadeira história...