quarta-feira, abril 26, 2006
Indie Lisboa | All The Invisible Children



Apresentado hoje em antestreia no Indie Lisboa, All the invisible children é uma co-produção MKFilms, Rai Cinema e Unicef. As suas receitas pelo mundo fora revertem em partes iguais para a Unicef e a FAO, para que as histórias que nos são mostradas no ecrã por sete realizadores conceituados possam ter lugar cada vez menos vezes no mundo real. O filme resulta da junção de sete curtas-metragens, cada uma realizada por uma pessoa diferente, tendo cada segmento lugar num país, geralmente a terra-natal do realizador. Os títulos, à excepção da parte de Spike Lee, têm como título o nome da ou das crianças protagonistas.

O primeiro segmento, “Tanza” é realizado por Mehdi Charef, realizador argelino que nos traz uma história de um país africano. É-nos mostrada a realidade de um grupo de crianças-soldado, sendo a curta centrada numa delas, o jovem Tanza, de doze anos, encarregue pelo chefe do seu grupo de colocar uma bomba na escola da sua aldeia-natal. O facto de estarmos perante um realizador pouco conhecido não dirá qualquer mérito a este olhar simultaneamente crítico e inocente da realidade africana. O final é o mais belo de todos, mas contá-lo seria estragar parte da sua intensidade.

A segunda curta é de todas a minha favorita. Passada na Sérvia e realizada por Emir Kusturica, “Blue Gipsy” é puro Kusturica. Há música a entrar pelos nossos ouvidos e a entranhar-se no corpo, há um certo número de situações cómicas, há personagens extremamente expressivas. E o universo dos ciganos tão bem mostrado por Kusturica em Gato Preto, Gato Branco, volta a estar em foco, desta feita num registo mais sério: a obrigação que muitas crianças ciganas têm de roubar a mando dos pais. O adorável pequeno cigano loiro protagonista desta história quer escapar à violência do pai e ser barbeiro. Apesar de nenhum dos segmentos ser fácil ou gostável, o que Kusturica realiza não deixa de conter a sua imagem de marca de folia mesmo associada à miséria. É provavelmente a única história na qual o espectador esboçará um sorriso mais que uma vez.

O ácido Spike Lee realiza aquele que foi, para mim, o mais forte de todos os segmentos. “Jesus Children of America” transporta-nos para o mundo cruel da SIDA pelos olhos de uma menina brilhante: Blanca. Filha de um veterano da primeira Guerra do Golfo negro e de uma hispânica (mangífica Rosie Perez), ambos heroinómanos e infectados com SIDA, Blanca irá ser vítima dos gozos dos colegas e da desconfiança dos pais destes. Por várias vezes as lágrimas me correram durante este segmento do filme. Não é difícil sentirmos a dor da pequena Blanca, presa a um destino de preconceito, incompreensão e medo que não escolheu mas ao qual não consegue escapar.

A brasileira Kátia Lund, co-realizadora do aclamado Cidade de Deus” traz-nos “Bilu e João”, passado num Brasil altamente desigual. O seu segmento segue um dia na vida das personagens que dão título à curta, dois irmãos que recolhem diversos artigos de sucata para ganharem o mínimo indispensável à sobrevivência. Há uma esperança e uma alegria de viver tão tipicamente brasileiras que ecoam destas personagens, destes pequenos iguais a tantos mais mas com os quais simpatizamos de imediato. Perto do final a câmara afasta-se e por detrás da favela encontramos os arranha-céus de um Brasil ultra-moderno que coexiste com os bairros da mais extrema pobreza. Tamanha desigualdade não pode deixar de nos fazer pensar…

Ridley Scott e a sobrinha Jordan Scott realizam o quinto segmento, “Jonathan”, que constitui a parte de menos impacto de todo o filme. Passado no Reino Unido, a curta tem como figura central um fotógrafo de zonas de guerra (David Thewlis) que vive atormentado perante o sofrimento daqueles que deu a conhecer ao mundo mas que não ajudou a salvar.
Esta parte afasta-se do registo realista da anteriores mas entrar no domínio do onírico: Jonathan perde-se num bosque onde volta a ser criança e na companhia de dois amigos viaja até um refúgio de crianças feito pelas próprias, meninos perdidos que sobrevivem juntos à guerra.
Apesar da composição mais calma, valorizada pela música de Hans Zimmer, este acaba por ser o segmento que passa mais despercebido.

Stefano Veneruso, realizador italiano de curtas traz-nos a odisseia de “Ciro”, um apaixonado do som e das sombras e delinquente juvenil. Veneruso dá-nos uma espectacular sequência de fuga, mas brinda-nos com um final que é um hino à inocência e ao que de mais puro sobrevive até nos jovens que cometem actos tão condenáveis. Atenção à intervenção da actriz Maria Grazia Cuccinotta, que também produz o filme, que surge como uma empregada que, num ajuntamento de rua, diz uma grande verdade: porquê condenar as crianças quando devíamos condenar aqueles que criam as condições que os forçam a cometer crimes?

O último segmento é realizado por John Woo, um chinês que tem trabalhado muito nos Estados Unidos, mas que regressa aqui à sua China natal para nos contar as histórias paralelas de “Song Song e Little Cat”, uma menina rica e uma menina pobre, unidas pela boneca de porcelana que a primeira deita fora. Muito comovente, este é um retrato a duas faces do que pode entristecer uma criança. Mas também do quanto vale a pena não perder a esperança.

Esta é uma obra que, como diz o poema de Eugénio de Andrade, é “urgente”. Mesmo que o que fique seja uma ideia de redenção, talvez mostrando como, se houvesse bondade no mundo, haveria sempre uma solução para estas crianças, cada um destes segmentos não deixam de nos alertar e chocar perante as condições de vida das crianças por todo o mundo. Um filme indispensável.

Classificação:
posted by Anónimo @ 12:13 da manhã  
1 Comments:
  • At 1:20 da manhã, Blogger P.R said…

    Bem, parece que pelos vistos o Take a Break esteve na sua máxima força nesta antestreia ;) Infelizmente não fiquei tão entusiasmado como tu em relação a este filme pois embora seja uma obra de inquestionável valor tem, na minha opinião, grandes desiqulíbrios em algumas curtas. No entanto numa coisa estamos de acordo, a curta-metragem de Spike Lee consegue, de facto, ter mais impacte que as restantes. É,de longe, a minha preferida, seguida da "tua" Blue Gipsy ;)

     
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