
Porque é que United 93 é uma obra-prima? H.: United 93 foi um filme que aguardei com interesse moderado na medida em que me pareceu demasiado alarido promocional para pouco resultado. Quando o vi no cinema mudei radicalmente o meu parecer. Paul Greengrass eleva-se a uma dimensão cinematográfica magnífica, filmando com uma crueza arrepiante o que sucedeu em vários locais durante algumas horas do 11 de Setembro. Dos controladores aéreos às hospedeiras do voo 93 da United Airlines o filme é tão despretensioso e realista que é quase um documentário, filmado sem celebridades ou verbas exageradas, mas centrando-se numa intenção de objecto de memória. Assumidamente, é um filme para que o mundo não esqueça, mas ao invés de uma homenagem sentimentalista, é um retrato tão fidedigno que é como se uma câmara lá estivesse e nada tivesse sido encenado. O perturbador é isso. É a “normalidade” de tudo. É isso que torna United 93 um filme que ultrapassa a mera dimensão de filme para ser quase um “documento”. É, sem qualquer dúvida, uma das obras fulcrais de entre as estreias deste ano – a par do recentemente estreado Paradise Now.
Porque é que United 93 é um filme vulgar?
Ana Silva: Primeiro que tudo, não chamaria United 93 de filme. Na minha opinião, o cariz documental é o que mais caracteriza esta película, que nos mostra pouco mais do que já imaginaríamos nas nossas cabeças. Todo o enredo gerado em torno do que aconteceu no dia 11 de Setembro, há exactamente cinco anos atrás, acaba por ser demasiado linear e minimalista nos pormenores, não incutindo qualquer tipo de dramatização no espectador.
Por outro lado, a grande maioria de United 93 é composta por imagens dos bastidores deste atentado: o que aconteceu nos postos de controlo, nas companhias aéreas, nos agentes que perderam contacto com os aviões. De facto, muito deste ‘documentário’ são telefonemas entre representantes e militares, que procuram encontrar mais informação e chegar a um consenso sobre como intervir na situação e conseguir evitar a catástrofe.
É por tudo isto que não considero, de alguma forma, United 93 uma grande obra, ou algo extraordinário. De facto, não consegui emocionar-me com nenhuma das cenas, com nenhuma das personagens, ou sequer com a situação em si, que já foi tantas vezes alvo de análise nos últimos anos. Na verdade, acho que United 93 mostra simplesmente um sem fim de procedimentos políticos e militares que não se conseguiram integrar como deviam, e que acaba por não acrescentar muito a todos aqueles que acompanharam de perto toda a mediatização posterior ao atentado.
No fundo, sem querer denegrir a película, atribuo-lhe sim um carácter documental de qualidade, bem conseguido, que demonstra um equilíbrio de análise. Com efeito, tal como as imagens dos terroristas não surgem como um ataque directo e profundo ao mundo árabe, United 93 também não é um ‘hino’ à nação americana, deixando explícitas algumas incapacidades do seu regime político e militar.
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Dou um passo em frente e coloco-me ao lado da Ana Silva. United 93 não é um grande filme quanto menos uma obra-prima. Porquê? Porque há uma promiscuidade de estilos que em tudo lesa o filme. Um filme ou um documentário? Na minha opinião, o facto de Greengrass quer tornar o filme (porque o é) num documentário é a razão do descalabro. Se fosse um documentário estaria, de facto, muito bom. Mas não o é, e não é porque ninguém pode dizer que tudo se passou como o filme nos apresenta. É, por mais que custe, um objecto adaptado de factos verídicos mas toda a acção que se passa no avião é ficcionada, ponto final. E é exactamente aqui que o filme falha. Não há nenhuma profundidade dramática naquelas "personagens", nenhuma. Não passam de figuras estereotipadas, que é supostamente a antítese do que se quereria. Enfim, um filme claramente falhado.