sexta-feira, março 03, 2006
Capote



Este ano a Academia parece ter desempenhado bem o seu papel. De facto, todos os filmes nomeados ao galardão máximo da cerimónia dos Óscares são de qualidade indiscutível. Obviamente que cada filme exerce uma força distinta em cada um de nós, e que cada um tem o seu filme preferido, mas este ano a diferença qualitativa entre todos os filmes nomeados é menor que em anos anteriores. Assim sendo, e no que diz respeito a Capote, a sua nomeação não é chocante.

Capote vinha catalogado desde há bastante tempo como o filme onde Phillip Seymour Hoffman teria o seu primeiro papel de protagonista. Deixando os críticos americanos completamente extasiados com a sua actuação, Hoffman começou a perfilar-se como um sério nomeado ao Óscar e começou a ganhar todos os prémios prémios de actuação. Hoje, a três dias dos Óscares, só uma reviravolta não só surpreendente como chocante lhe tirará a vitória. Com isto não quero dizer que Hoffman é o meu preferido, porque não o é, mas de facto ninguém espera outro resultado no domingo à noite.

Apesar da sua actuação ser em termos miméticos e técnicos absolutamente avassaladora, o principal ponto positivo do filme é existir. Isto é, o filme não se limita a ser cenário para a consagração do seu actor principal. Parece-me que o retrato de Capote e a actuação do actor que lhe dá vida é apenas um elemento fílmico presente e não o único. Ou seja, o actor é um dos suportes do filme, e não o oposto. De facto, na minha opinião, um filme nunca deverá existir apenas com artífice para uma grande actuação (como acontece por exemplo em Transamerica) e, nisso, Bennett Miller fez um grande trabalho.

Com efeito, ao posicionar o enfoque do filme no dilema de Capote em acabar o seu livro tendo em conta a situação dos dois prisioneiros e na relação que estabeleceu com eles, principalmente com Perry Smith, o filme avança para uma atmosfera mais perturbadora que em tudo beneficia o filme. Por outro lado, o filme demonstra coragem, na forma como nos revela um Capote egoísta, egocêntrico e desequilibrado emocionalmente, o que nem sempre acontece em biopics do género. De facto, aqui não há nenhum pudor em retratar os defeitos e imperfeições de um dos escritores mais consagrados da literatura norte-americana. Para tal, o filme centra-se igualmente nas relações sociais que Capote estabelece com as pessoas que circulam à sua volta, em especial Harper Lee (Catherine Keener) e Jack Dunphy (Bruce Greenwood), que protagonizam um dos diálogos mais reveladores da essência de Capote, quando Lee confidencia num tom nitidamente irónico que Capote estava a apaixonar-se por si mesmo.

Relativamente ao trabalho de Bennett Miller, parece-me que a sua nomeação é um pouco exagerada, principalmente num ano em que Woody Allen e Cronenberg estiveram em grande estilo. Pautado por uma enorme discrição na forma como filma, a verdade é que nem sempre esta fórmula funciona, uma vez que gera um certo distanciamento com as personagens. Contudo, por vezes isso até se torna pertinente nalgumas cenas, principalmente nos pequenos separadores entre cenas, onde a câmara deambula em planos panorâmicos da vila onde a família que deu origem ao livro foi assassinada, que demonstra o desencanto, solidão e até mesmo ambiguidade com a qual o filme se pauta.

Um último apontamento em relação aos actores. Mais uma vez, é de sublinhar a composição fantástica de Hoffman que não só se limita a imitar os trejeitos, como consegue dar alguma densidade à personagem e torná-la verosímil, algo que se deve sublinhar pois um actor menos talentoso facilmente se resvalava para uma actuação caricatural, em função da própria pessoa que era Capote. Mas se Hoffman está genial, o mesmo não se poderá dizer Catherine Keener, cuja nomeação é inexplicável. De facto, não existe nada de cativante na sua actuação, limitando-se a cumprir aquilo que de si era esperado. Na verdade, tal facto adquire maiores dimensões quando existe uma certa Maria Bello numa das maiores e melhores actuações do ano. Por outro lado, se Keener é sobrevalorizada, parece-me igualmente que o desempenho de Clifton Collins Jr passou demasiadamente despercebido, uma vez que a sua composição de Perry Smith consegue ser muito satisfatória. Num ano menos rico em personagens secundárias masculinas, de certeza que o seu nome teria sido ouvido no Kodac Theatre aquando das nomeações para os Óscares.

Assim sendo, Capote cumpre com brio aquilo que pretendia ser. Tendo como principal alicerce a actuação histórica de Phillip Seymour Hoffman, a verdade é que o filme consegue a espaços libertar-se do "perigo" de ser subalternizado por um actor, gerando momentos dramáticos muito bem conseguidos, muito devido a Capote, uma personalidade extremamente cativante e dramaticamente poderosa.

Classificação:
posted by P.R @ 9:59 da manhã  
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home
 
 

takeabreak.mail@gmail.com
Previous Post
Archives
Cinema
>> Críticas
>> Filme do mês
>> Grandes Momentos
>> 10 Filmes de Sempre
>> Balanços
"Combates"
Críticas Externas
Música
>> Concertos
>> Discos
>> Sugestão Musical
>> Video da Semana
>> Outros
Teatro
TV
Literatura
Outros
Links
Affiliates