sábado, dezembro 01, 2007
Eastern Promises
David Cronenberg, um dos maiores cineastas vivos, regressa aos ecrãs portugueses pouco mais de um ano após nos ter mostrado o seu anterior filme, o sublime A History of Violence. Tal como no seu filme anterior, o realizador canadiano apoia-se no carisma do excelente Viggo Mortensen como protagonista para uma exploração dos recantos obscuros do ser humano, onde a violência está sempre presente, de forma mais ou menos evidente. Também como acontecia no seu anterior filme, este Eastern Promises pode ser visto como uma das obras mais acessíveis do realizador, o que por outro lado não quer dizer que este se afaste das suas principais obsessões temáticas e visuais. Aliás, Cronenberg é um dos autores cinematográficos que melhor retrata a violência no grande ecrã, quer física quer emocional. E na primeira vertente, consegue manter intacta essa virtude que se tem vindo a perder no cinema actual, a de manter a sua câmara sempre por perto, mostrando os efeitos devastadores das marcas de violência no corpo humano.

Desta vez, o realizador de culto debruça-se sobre o sub-mundo do crime, mais concretamente uma família de mafiosos russos na Londres actual. Após dar à luz uma bebé, a parteira Anna (Naomi Watts) tenta descobrir o rasto da família da mãe (uma adolescente de 14 anos) que não resistiu ao parto. Encontrando o seu diário, e procurando nele pistas sobre a sua origem, Anna vê-se envolvida numa trama maior do que ela, com pessoas com que não se deveria dar. Uma delas é Nikolai (Viggo Mortensen), o motorista de serviço de uma família encabeçada por Semyon (Armin Mueller-Stahl), proprietário de um restaurante e pelo seu filho, o explosivo Kirill (Vincent Cassel), de quem Nikolai é também o braço direito. Depressa, todos querem pôr as mãos no diário da jovem morta, e resolver assuntos pendentes à custa do sangue necessário.

Não será totalmente descabido dizer-se que este é o filme de gangsters de Cronenberg, mas é indiscutível que o cunho pessoal do realizador contamina toda a obra, quer ao nível da encenação, quer na carga visceral, quer mesmo no ritmo da narrativa, pausado o suficiente para nos permitir compreender a complexidade das relações entre as suas personagens (até a comida nos ajuda a perceber algo sobre as pessoas que habitam o filme). Aliás, essa é mesmo a vertente mais forte de Eastern Promises, ao oferecer-nos um conjunto de personagens em permanente conflito interior, presas a códigos e tradições familiares e culturais dos quais querem escapar, mas acima de tudo presas ao asfixiante mundo da violência que parece estar constantemente presente ao virar de cada esquina. Nesse aspecto, o argumento de Steven Knight é impecável, naquilo que nos conta e naquilo que simplesmente nos sugere, preocupando-se em contar apenas aquilo que é essêncial, e deixando em aberto aquilo que deve permanecer em aberto. No entanto, não pude deixar de sentir, na parte final, algum descontrolo em relação ao destino de certas personagens e da generalidade da história. Saliente-se que nada disso tem a ver com a falta de explicações, mas sim com o desenvolvimento das personagens e das relações que até então tinham sido muitíssimo bem trabalhadas. Um aspecto que Knight e Cronenberg talvez tivessem melhorado com alguns minutos adicionais de filme, que me pareceu demasiado brusco na sua conclusão, após um ritmo tão ponderado até então.

Ainda assim, são “queixas” menores numa obra que, a espaços, é verdadeiramente brutal, e está recheada com alguns momentos de antologia, que ficarão marcadas como cicatrizes no corpo da carreira do realizador. Dizer isso já não é dizer nada pouco, deixando mesmo a sensação de que, apesar de toda a sua dureza, se torna urgente revisitar Eastern Promises num futuro próximo. O sexo continua a ser visto com uma frieza quase animal, observado sem escrúpulos pela sua lente, e a violência continua a impressionar pelas marcas que deixa no corpo humano. O corpo que, no geral, volta aqui a estar no centro das atenções, nomeadamente o de Viggo Mortensen, repleto de tatuagens e outras marcas que ajudam a contar a história da sua vida. Aliás, todo o elenco é digno de elogios múltiplos, desde essa contenção fria e violenta de Mortensen, à irreverência de Cassel, à ingenuidade aparente de Naomi Watts e culminando no excelente Mueller-Stahl que, a par de Mortensen, carrega com muito do filme às costas. Mesmo não sendo uma obra-prima por parte de um realizador que já nos ofereceu inúmeras, é um excelente filme a ter em conta neste 2007 relativamente morno.

posted by Juom @ 1:55 da manhã  
2 Comments:
  • At 11:26 da manhã, Blogger Cataclismo Cerebral said…

    O filme foi uma autêntica desilusão (infelizmente), não teve grande impacto e não achei que tivesse nada de novo ou minimamente original. Depois aquela narração deixou-me ainda mais indignado: anula o envolvimento do espectador ao cair num choradinho inconsequente onde se exigia frontalidade; aí sim teria um efeito devastador. Mas mesmo assim tiro o chapéu ao Cronenberg e ao Viggo pela tentativa. Lamento é o facto da personagem da Naomi Watts ser um adereço...

    Abraço

     
  • At 2:47 da manhã, Anonymous Anónimo said…

    O filme é sensacional e a sequência na sauna é espetacular!

     
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