
"Um bocadinho diferente..."
A arte de contar uma história a uma criança não é apenas uma forma de as distrair. É dar-lhe algumas ferramentas para que a sua imaginação e o seu intelecto se possam desenvolver. É através dessas histórias que se criam valores e morais, aos quais a criança se vai agarrar durante a sua vida.
Posto isto, The Pillow Man é uma história sobre várias histórias. Todas ligadas de certa maneira e que seguem um "tema" central. Em todas elas há uma criança magoada, que sofreu mais do que devia. Não sendo uma peça fácil de assistir, The Pillow Man lança-se no vasto mundo das histórias, dos seus propósitos, das responsabilidades que lhes podem ser imputadas e a quem as escreve. Será um escritor responsável por aquilo que as suas obras vão desencadear nas pessoas? Terá que responder a alguém por escrever coisas que nunca deveriam ser postas em prática? Perguntas que surgem durante esta densa viagem, num dia da vida de Katurian K. Katurian.

A complexidade das questões que este teatro aborda deixam-nos a pensar durante bastante tempo. Acorda-nos para algumas realidades que não conseguimos deixar para trás. De certa forma The Pillow Man é uma lição, não de vida, mas, para a vida. Mais do que isso, acorda em nós horizontes que nos fazem perceber o mundo de uma nova forma. Afinal de contas, como sabemos se a América é grande? Apenas porque nos dizem, como sabemos sequer que a América existe? Apenas porque nos dizem que existe. Passemos então à acção, partamos à descoberta dessas coisas que conhecemos apenas das histórias.

O sadismo e a perversidade são também temas abordados em The Pillow Man, acabando nós próprios por nos sentirmos algo culpados quando nos rimos de algumas das situações negras que se passam em palco. É um mundo perverso este dos que se riem do mal, é um mundo perverso, este em que as histórias matam, seria um mundo perverso, este, se nos privassem de obras como esta. De uma tensão angustiante, esta peça polémica, não é sobre depravações humanas, não quer tomar posições políticas e, definitivamente, não é uma história de embalar. Mas, de uma forma estranha e retorcida, acaba por ser tudo isso.
Tiago Guedes, o encenador, em conjunto com os 4 actores, Albano Jerónimo, Gonçalo Waddington, João Pedro Vaz e Marco D'Almeida, dão vida aos personagens e são eles que fazem chegar até nós toda a densidade dos textos. 4 perfeitas interpretações que nos deixam arrasados, chegados ao fim os 120 minutos de peça. Um verdadeiro murro no estômago que nos faz rir e chorar e que em momento algum nos passa ao lado.
 Esta será daquelas experiências que me irá acompanhar durante muitos e largos anos. A não perder no Teatro Maria Matos, até dia 15 de Outubro.
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Eu também costumo deixar sempre o teatro para 2º (ou ás vezes mesmo para 3º) plano, mas, depois desta peça, prometi a mim mesmo que vou passar a dar mais atenção ao que de novo estreia nos palcos nacionais.
O que te posso dizer com toda a sinceridade é para deixares tudo o que tens para fazer e dar um pulo ao Maria Matos, porque obras primas como esta não surgem regularmente.