Quatro histórias, enraizadas em quatro países com culturas completamente diferentes. A dor é a mesma, e cada um de nós comunica-a como pode.
Babel é uma história sobre muitas histórias, que compreendem o amor (entre um homem e uma mulher, entre pais e filhos), a (in)comunicabilidade, a perda, o acaso... a vida e, consequentemente, a morte. Podemos também dizer, se quisermos ser mais específicos (e simplistas), que
Babel é sobre uma arma, e as consequências que ela traz para um grupo de pessoas completamente diferentes. Mas essa arma serve apenas como pretexto para falar sobre algo bastante maior e que, no limite, conduz a uma reflexão profunda sobre o lugar do Homem no mundo que habita, e da relação com os seus semelhantes: em termos sociais, políticos e, acima de tudo, humanos.
Trata-se aqui, claramente, do mais ambicioso trabalho de Alejandro Gonzáles Iñárritu naquela que tem vindo a ser considerada como a sua “trilogia da dor”, criada em colaboração com o argumentista Guillermo Arriaga. Temos uma história, podemos dizer, à escala global, levando ao extremo os temas que já haviam anteriormente abordado nesses filmes extraordinários que foram
Amores Perros e
21 Grams. Aliás, o título não deixa qualquer margem para dúvidas, e essa Torre de Babel onde as línguas se confundem mais não é do que o nosso mundo num progresso globalizante, que nos parece separar cada vez mais. A metáfora maior num filme cheio delas, mas que nem por isso evita uma aproximação brutal à realidade. Com efeito, a câmara de Iñárritu continua bem próxima dos seus actores, e dos lugares que os rodeiam, desde a aridez do deserto marroquino à selva urbana de Tóquio, conferindo esse toque tão visceral ao seu cinema. A dor, essa, também é a mesma, e torna-se impossível não sentir as personagens como se fossem uma parte de nós e, como não poderia deixar de ser, continua-se a sofrer bastante no cinema do mexicano, que parece claramente, da primeira ideia à montagem final, feito a sangue suor e lágrimas, com o coração nas mãos.
Se em
Amores Perros e em
21 Grams tínhamos acidentes de automóveis como os impulsionadores principais da narrativa, aqui temos o disparo de uma arma. Ora, os mais atentos irão certamente recordar-se de um outro filme, estreado neste mesmo ano de 2006, cujo argumento vinha assinado pelo mesmo Arriaga e envolvia também um disparo acidental:
The Three Burials of Melquiades Estrada. Trago esse filme à memória porque, ainda que não sendo considerado parte desta série de filmes – foi realizado por Tommy Lee Jones – serve-lhes, no meu entender, como um muito interessante complemento temático. Os estilos são algo diferentes, mas sente-se em ambos aquela urgência desesperada em lidar com a morte, com o sexo, com o amor e, convém não esquecer, com a noção de casa, num sentido mais amplo que o termo possa eventualmente englobar: o mundo pertence-nos, mas a verdade é que cada um de nós é também um produto do local onde nasceu, onde deixamos sempre algo nosso e para onde queremos regressar.
Nesse sentido, a construção do filme é particularmente densa e cuidada: repare-se não só nos diferentes estilos de vida entre os países, mas em coisas bem mais subtis que compreendem, por exemplo, as transições entre as histórias, separadas entre gritos e silêncios, só para ficar por aqui... Mas há outras subtilezas, que envolvem a iluminação, ou o tratamento musical, apanágio dos habituais colaboradores Rodrigo Prieto e Gustavo Santaolalla e que, no fundo, ajudam o filme a reflectir sobre as pequenas coisas definem identidades. Claro que nesse particular, é obrigatório falar também no trabalho dos actores que, sem protagonismos, se tornam também em pessoas do mundo, e que independentemente da situação maior que as envolve, têm também de conviver com os seus demónios interiores – veja-se a contenção de Brad Pitt como oposição a algumas personagens que compõem a sua carreira, ou a extroversão de Rinko Kikuchi, que ainda assim é incapaz de mascarar aos nossos olhos o seu desespero interior. E, como qualquer um de nós sabe, o mais complicado não será aceitar os mesmos demónios, mas sim conseguir comunicá-los aos outros, de forma a que estes os aceitem por nós. Ou, dito de outro modo: se uma família é incapaz de se conseguir fazer entender, como poderá o mundo consegui-lo? Mais importante do que classificar
Babel como um “drama” ou um “filme político”, importa acima de tudo sentir estas personagens e, caso o espectador tenha sorte, rever-se no grande ecrã. Um filme do mundo e, já agora, um dos filmes do ano.





Estreou mesmo no final do ano, mais ainda veio a tempo de ocupar um lugar nos melhores do ano :)
Iñarritu continua a convencer! Depois de Amores Perros e 21 Gramas traz-nos este fabuloso Babel! Sem dúvida já uma confirmação de um grande talento :)