Hoje é um dia muito importante. Há exactamente 118 anos nascia no Largo de S. Carlos em Lisboa um homem a quem foi dado o nome de Fernando Pessoa. Pessoa é, na minha opinião, senão o melhor, um dos grandes poetas da História de Portugal. Dono de uma obra de uma qualidade imensurável, Pessoa sempre habitou o meu imaginário, quer pela sua figura desconhecida quer pela sua esquizofrenia que originou os seus famosos heterónimos. Dono de uma inteligência e sensibilidade superiores à sua condição humana, Pessoa superou-se a si mesmo dando a literatura portuguesa um dos seus mais geniais autores.
Assim sendo, e numa insignificante homenagem tendo em conta a grandeza deste "Poeta Fingidor, transcrevo em baixo um dos seus poemas que mais aprecio, e que penso que faz todo o sentido para a da data em questão. O poema chama-se Aniversário.
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos, Eu era feliz e ninguém estava morto. Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos, E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer. No tempo em que festejavam o dia dos meus anos, Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma, De ser inteligente para entre a família, E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim. Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças. Quando vim a.olhar para a vida, perdera o sentido da vida.
Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo, O que fui de coração e parentesco. O que fui de serões de meia-província, O que fui de amarem-me e eu ser menino, O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui... A que distância!... (Nem o acho... ) O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!
O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa, Pondo grelado nas paredes... O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas), O que eu sou hoje é terem vendido a casa, É terem morrido todos, É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos ... Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo! Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez, Por uma viagem metafísica e carnal, Com uma dualidade de eu para mim... Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!
Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui... A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos, O aparador com muitas coisas — doces, frutas, o resto na sombra debaixo do alçado, As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa, No tempo em que festejavam o dia dos meus anos. . .
Pára, meu coração! Não penses! Deixa o pensar na cabeça! Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus! Hoje já não faço anos. Duro. Somam-se-me dias. Serei velho quando o for. Mais nada. Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira! ...
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...
Álvaro de Campos
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A última parte é absolutamente arrepiante.
Fernando Pessoa é o melhor poeta português, Pessoa foi Pessoa, foi todos nós. Almas assim nunca morrem!
Álvaro de Campos reune as minhas preferências, até lhe chamo o meu irmão Álvaro, tamanha é, não só a admiração, como a compreensão...
Excelente ideia de post e excelente escolha de poema!