terça-feira, junho 13, 2006
Aniversário
Hoje é um dia muito importante. Há exactamente 118 anos nascia no Largo de S. Carlos em Lisboa um homem a quem foi dado o nome de Fernando Pessoa.

Pessoa é, na minha opinião, senão o melhor, um dos grandes poetas da História de Portugal. Dono de uma obra de uma qualidade imensurável, Pessoa sempre habitou o meu imaginário, quer pela sua figura desconhecida quer pela sua esquizofrenia que originou os seus famosos heterónimos. Dono de uma inteligência e sensibilidade superiores à sua condição humana, Pessoa superou-se a si mesmo dando a literatura portuguesa um dos seus mais geniais autores.

Assim sendo, e numa insignificante homenagem tendo em conta a grandeza deste "Poeta Fingidor, transcrevo em baixo um dos seus poemas que mais aprecio, e que penso que faz todo o sentido para a da data em questão. O poema chama-se Aniversário.



No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a.olhar para a vida, perdera o sentido da vida.

Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho... )
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!

O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos ...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!

Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas, o resto na sombra debaixo do alçado,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos. . .

Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira! ...

O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...

Álvaro de Campos

posted by P.R @ 1:38 da tarde  
6 Comments:
  • At 3:29 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    A última parte é absolutamente arrepiante.
    Fernando Pessoa é o melhor poeta português, Pessoa foi Pessoa, foi todos nós. Almas assim nunca morrem!
    Álvaro de Campos reune as minhas preferências, até lhe chamo o meu irmão Álvaro, tamanha é, não só a admiração, como a compreensão...

    Excelente ideia de post e excelente escolha de poema!

     
  • At 3:42 da tarde, Blogger P.R said…

    Obrigado H. :) E parece que partilhamos a devoção a Pessoa ah? Foi e é, sem dúvida, um nome incontornável da literatura portuguesa e mundial!!

     
  • At 3:45 da tarde, Blogger P.R said…

    Já agora... conheces o poema "Tabacaria" do mesmo Álvaro de Campos? Descobri recentemtente, e tornou-se desde logo um, senão o, meu poema preferido dele... É genial!

     
  • At 7:27 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    claro que conheço! é um dos meus top-5 do Campos... durante algum tempo até tive como «about me» no blogger um verso da Tabacaria ;)
    os 2 Lisbon Revisited são outros... mas basta folhear o meu exemplar das poesias dele para ver uma série de versos sublinhados... enfim, é a par do Mário de Sá-Carneiro o meu poeta de eleição pessoal, mas reconheço obviamente no Pessoa um génio universal que ultrapassa em mto o Sá-Carneiro...

     
  • At 7:45 da tarde, Blogger not_alone said…

    O poema é fantástico e é um belo exemplo da obra magistral que Fenando Pessoa construiu. Álvaro de Campos também é o meu heterónimo preferido. Os poemas dele têm uma obscuridade familiar. Demasiado familiar...

     
  • At 7:48 da tarde, Blogger P.R said…

    not_alone recomendo-te e a todos os visitantes a perderem 10 minutos da vossa vida a lerem também a Tabacaria. Podem lê-lo aqui: http://users.isr.ist.utl.pt/~cfb/VdS/v259.txt

    É grande, é um facto, mas vale cada segundo

     
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