quarta-feira, novembro 12, 2008
Entre os Dedos

Em certos dias, pensamos no que nos cai por entre eles; noutros dias preferimos olhar (e por vezes dar valor) ao que fica nas nossas mãos – o que resta e que não se esvai por entre os dedos. Temos 20: dez nas mãos e dez nos pés, mas ainda assim parecem ser poucos para tudo aquilo que queremos tocar, sentir, guardar, tornar nosso.

O que esperar de um filme como este, mais cru, mais pesado, onde a película sempre a preto e branco parece desnudar os personagens, tornando-os mais intensos. Depois deste filme, resta-nos o que está (entre) nos dedos e que escolhemos agarrar (o que guardamos para nós) e o que queremos largar mas não podemos, não conseguimos (por vezes nem queremos).

O novo filme de Tiago Guedes e Frederico Serra tem por base, uma vez mais, um belíssimo argumento de Rodrigo Guedes de Carvalho. E talvez por isso, volta a colocar as emoções humanas numa metáfora envolvente e muito bem conseguida. A história podia ser a de qualquer um de nós, um casal estrangulado por um súbito despedimento, com dois filhos pequenos e uma relação desgastada, diria mesmo, incompreendida. Isabel Abreu tem neste filme o seu melhor desempenho, ao lado de Filipe Duarte, que mantém sempre o seu nível extraordinário. Nesta mulher não se consegue distinguir a mãe da esposa, tal o seu desespero perante um marido inerte e inconformado, e um sem fim de dívidas e obrigações. O retrato perfeito de quem já não aguenta mais, de quem fala sem ser ouvida, de quem chegou a uma fase onde os meios justificam os fins. Uma relação sem diálogo.

Paralelamente a esta família, surge a história de um seropositivo(?) em fase terminal. Alguém que, de uma outra forma, também procura uma solução que ponha um fim ao ‘problema’. Apesar de ser uma história aparentemente menor no contexto do filme, o desempenho da dupla Gonçalo Waddington e Fernanda Lapa (igualmente notável) renova o sentido do filme, mostrando-nos quase em jeito de contraponto, um outro lado do desespero: aquele onde não temos alternativas e contra o qual já não lutamos.


posted by Ana Silva @ 2:27 da tarde  
1 Comments:
  • At 2:55 da tarde, Blogger P.R said…

    Um texto que faz juz ao filme: muito bom :)

    Entre os dedos e Mal Nascida provam que se faz grande cinema em Portugal!

     
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