quarta-feira, abril 29, 2009
Crítica | This is England

Como contar um país através da história de um miúdo?

Conhecíamos pouco de Shane Meadows até ao dia em que o realizador nos deu todo um pais encerrado na película. Estamos em 1983: Margaret Thatcher governa um país em guerra, com uma economia estrangulada. Shaun tem doze anos e é um miúdo ruivo desamparado apesar da sua coragem. Perdeu o pai na Guerra das Malvinas. Tem as calças demasiado largas para passar despercebido. É gozado, até encontrar um grupo de skinheads que faz dele a sua mascote. Isto é Inglaterra. Onde o amor surge nos lugares mais inesperados, perdido algures entre a delicadeza e a violência.

Mas esta Inglaterra que nos dão a conhecer tem mais camadas do que aparenta. Afinal não é só Shaun que procura e sente falta de um pai. Todas as personagens, de uma forma mais ou menos convencional e mais ou menos discreta, procuram ser aceites, integradas e acarinhadas. Shane Meadows pega em questões complexas (a família desestruturada, o nacionalismo exacerbado, a juventude sem regras, a discriminação), e dá-lhes um trato sensível, bem longe dos clichés que tantas vezes assombram uma história com potencial, mas que não coube devidamente em filme.

E já que falamos em cinema é de assinalar o trabalho prodigioso do seu realizador, que não só nos oferece momentos fantásticos como ainda pisca o olho a outras obras de culto. De facto, são notórias algumas parecenças, tanto com o bando de “Laranja Mecânica”, pela dinâmica (embora menos violenta) e pelo rigor da apresentação (veja-se o pormenor fantástico dos suspensórios, um autêntico código comum), como com Travis Brickle, de Taxi Driver. Se no filme de Scorsese tínhamos um taxista a treinar para o espelho a célebre frase “Are you talking to me?” aqui temos um puto inglês a ensaiar os insultos aos “monhés” para impressionar o líder do grupo.

Em This is England, felizmente, não falamos no que poderia ter sido. Há aqui uma interessante e riquíssima abordagem à dinâmica social, onde os amigos e os “grupos” são a base e a estrutura daquelas “crianças”. Na sua fragilidade emocional o que os guia é a aceitação. Nas suas mais derivadas formas e conceitos. E estes skinheads não são personagens limitadas ao ódio. Vemos aquele miúdo à procura de algo, vemos um violento Combo (um skinhead trintão interpretado pelo surpreendente Stephen Graham), vemos a bandeira da Inglaterra – também ela uma personagem – elevada, orgulhosa e pesada, e sabemos que estamos perante um obra muito especial.

Especial pela sua narrativa, por ser franca com as suas personagens e por ser um retrato prodigioso de uma geração. Nunca, em nenhum momento do filme, duvidamos que estamos na década de 80. E por quê? Pela atitude. É ela que molda as personagens.

Não é menos do que um pequeno prodígio. Um gesto de entrega e qualidade concebido com tão pouco. É esta a Inglaterra de Shane Meadows. Um pouco auto-biográfica, numa espécie de anti-tributo ao seu país. Aceitemo-la como nos é dada. Instável, cinzenta e violenta, mas também pura, esculpida em filme com uma destreza que lhe desconhecíamos.


por P.
por P.R
posted by P.R @ 4:40 da tarde  
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