Se há coisas que o cinema nos tem ensinado ao longo dos anos (e tem-nos ensinado muito) é que os grandes autores, aqueles verdadeiramente bons, apenas se tornam melhores com a idade e, mesmo quando ocasionalmente estreiam algo menos condizente com o seu estatuto, são capazes de logo depois dar a volta e produzir pérolas absolutamente avassaladoras. Clint Eastwood é um caso particularmente interessante, pois apesar de uma carreira já muito longa atrás das câmaras, apenas em finais dos anos 80, início dos 90, começou a ser visto pela generalidade como o grande cineasta que realmente é. Mas mais do que isso é um autor que, de filme para filme, nomeadamente desde
Mystic River (com a excepção de
Flags of our Fathers, de que não consigo gostar partiuclarmente), tem vindo a manter a barra bem elevada. Aos 78 anos, Eastwood estreia entre nós dois filmes em três meses, e é com bastante satisfação que constato que o primeiro deles,
Changeling, irá posicionar-se entre os seus melhores trabalhos e, diria mesmo, trata-se do seu melhor desde o fabuloso
Unforgiven, de 1992. E dizer isso, acreditem, é dizer muito.
Changeling começa por se apresentar como “uma história verídica”, e essa mensagem por vezes utilizada com efeitos meramente sentimentais, é absolutamente fundamental para o sucesso do filme, não fosse algum espectador mais impaciente ter dificuldade em aceitar o lado quase surreal desta trama. Em 1928, Christine Collins perdeu o seu filho, aparentemente raptado em casa quando esta se encontrava no trabalho. Cinco meses mais tarde, a polícia informa-a de que encontrou o jovem mas, assim que dá de caras com o rapaz, não reconhece nele o seu filho. A polícia de Los Angeles, a atravessar uma crise de popularidade aos olhos do público, insiste que este é o rapaz desaparecido, mas Christine tudo fará para provar que o miúdo que tem em casa não é o seu filho desaparecido. E porque a realidade pode por vezes ser mais estranha do que a ficção, muita coisa mais há ainda por descobrir neste insólito caso.
Podemos dizer que
Changeling se trata de um dos mais sombrios trabalhos do grande Clint, mas ao mesmo tempo dos mais completos que já assinou como realizador. Há drama intenso, e chora-se bastante no filme, mas há também uma vertente de mistério polícial e ainda uma outra de drama de tribunais, e tudo funciona na perfeição, sem nunca se sobrepôr ao que realmente interessa: a vertente humana e a luta interminável de Christine para descobrir o paradeiro do seu filho. É um toque que distingue os grandes cineastas dos realizadores menores, e como Eastwood já nos habituou, cada cena do filme, cada plano, cada opção visual e estética existe porque tem de existir, não havendo um momento dispensável nesta longa e tenebrosa odisseia de 140 minutos. Pelo meio, não só nos toca como um comovente conto de amor de uma mãe por um filho, como ainda reflecte sem pregar sobre outras importantes temáticas morais e sociais – afinal de contas, uma mãe independente a desafiar as autoridades não eram bem vistas naquela época, mas algo disso ainda permanece bem actual.
Para o último parágrafo, tinha de deixar os maiores elogios para essa fabulosa actriz que, quando na disposição certa e com os papéis devidos, nada deve às mais talentosas colegas de trabalho. Falo, claro, de Angelina Jolie, que acerta em cheio cada nota que toca neste verdadeiro turbilhão de emoções. É vê-la ora no máximo de contenção como em rasgos de fúria exaltada, obrigando-nos a sentir bem de perto as emoções por que passa a sua personagem. E Eastwood sabe sempre como e a que distância colocar a câmara para extrair daqueles fabulosos olhos tudo o que precisa. Há outras sólidas interpretações ao longo da película, mas Jolie eleva-se a todos eles e entrega-nos o seu melhor trabalho até à data. Começar 2009 com um filme como
Changeling só pode ser um bom prenúncio de coisas boas que se avizinham, mas mesmo que mais nenhum lhe chegue aos calcanhares, já temos uma obra-prima garantida para este ano. Mas Eastwood estará de volta em Março com
Gran Torino, e cá estaremos para ver o que ele nos reserva.
Curiosa e interessante critica caro Paulo... Principalmente quando o not_alone fez uma, também aqui, no sentido totalmente oposto.
É caso para dizer: Viva o Cinema :P
Eu vou ver hj. E dps logo direi de minha justiça eheh :)
Abraço