ouve-me que o dia te seja limpo e a cada esquina de luz possas recolher alimento suficiente para a tua morte
vai até onde ninguém te possa falar ou reconhecer - vai por esse campo de crateras extintas - vai por essa porta de água tão vasta quanto a noite
deixa a árvore das cassiopeias cobrir-se e as loucas aveias que o ácido enferrujou erguerem-se na vertigem do voo - deixa que o outono traga os pássaros e as abelhas para pernoitarem na doçura do teu breve coração - ouve-me
que o dia te seja limpo e para lá da pele constrói o arco de sal a morada eterna - o mar por onde fugirá o etéreo visitante desta noite
não esqueças o navio carregado de lumes de desejos em poeira - não esqueças o ouro o marfim - os sessenta comprimidos letais ao pequeno almoço
Um dos melhores poetas portugueses.