Desta vez, e regressando ao cinema, o desafio que vos colocamos é:
"Qual é o melhor filme realizado por Clint Eastwood?" Para dar o mote, os membros do blogue decidiram-se escrever umas linhas sobre o seu favorito.
Gran Torino
Há aquela imagem do velhote afável e há a outra, a do velho rezingão e rabujento. Eastwod regressa, em parte, aos moldes de Dirty Harry, escondendo no entanto um grande coração debaixo de todo o gelo que a sua personagem aparenta transparecer. Gran Torino faz lembrar o binómio Miyagi/Daniel San, que preencheu a adolescência de muitos de nós. Acrescenta, no entanto, uma certa profundidade a esse tema. Poderia dizer que é um filme autobiográfico, dadas as referências ao ex-combatente da guerra da Coreia, que Eastwood também foi. Mas não me parece que o seja. É um retrato da natureza humana no seu esplendor, das quimeras que a mesma pode sugerir, da redenção com que todos sonhamos. Ursdens
Letters from Iwo Jima
Cartas de Iwo Jima é o melhor filme de guerra desde A Barreira Invisível, de Malick. Funcionando como a segunda parte de um díptico, de que As Bandeiras dos Nossas Pais constitui a primeira parte, Cartas de Iwo Jima é uma obra sobre o ponto de vista japonês na Segunda Guerra Mundial. Só ao filmar uma outra visão que não a americana, sem maniqueísmos ou artifícios, Eastwood já tem todo o mérito, mas Eastwood vai mais longe. Os corpos de Iwo Jima, os mesmos que escreveram as cartas desenterradas no início do filme, são corpos destinados à morte num filme de fantasmas. O que aqui interessa, contudo, é o modo de morrer, por coragem ou por desistência e, nesse sentido, o General Kuribayashi e o soldado Saigo são exemplos de honra e de pensamento. No meio de um exército que considera a sua frieza e disciplina como a maior vantagem face aos americanos, é curioso observar todo o lado humano que Eastwood capta. Facilmente das coisas mais belas que o cinema americano nos deu nos últimos anos. Carlos Flags of our fathers
Parece estranho mas Flags of our fathers perdeu espaço para o próprio Clint Eastwood – É uma espécie de parente pobre de Letters of Iwo Jima. O que não deixa de ser verdade, mas ao mesmo tempo prejudica em muito os méritos do filme. A ideia era “simples”: duas perspectivas sobre a mesma guerra, o mesmo feroz combate corpo a corpo. Se em Letters of Iwo Jima é a perspectiva japonesa, entrincheirada, que ganha destaque; em Flags of our fathers a crueza perde relevância. Há uma perspectiva in loco sobre o campo de batalha, mas é o factor político e social que resulta da guerra que move a história. E se falta alguma projecção dramática, não há dúvida de que há uma ironia latente, uma provocação aos próprios valores patrióticos dos EUA. Uma simples bandeira, um perfeito exemplo de propaganda (hoje em dia chamam-lhe apenas marketing) política pode decidir os destinos de um povo. Se não cumpriu em tudo o resto, o mote continua a ser um ponto de discussão interessantíssimo para perceber mais um pouco do mundo que herdámos – (in)felizmente surge numa altura em que Clint se mostra especialmente inspirado. E se é do menos capaz que Clint tem feito, então há que ficar agradecido. P. Million Dollar Baby
Million Dollar Baby é revelador da linha ténue que separa o sonho do pesadelo, mas acima de tudo é revelador da capacidade de amar. É um retrato nu e cru das adversidades da vida, dos nossos sonhos, dos nossos pesadelos e, acima de tudo, é um relato brilhante sobre a dignidade humana, sobre aquilo nos move, aquilo que nos fere e aquilo que nos faz sentido. É um filme duro que nos devasta mas que também sabe mostrar o outro lado: o da realização, da aceitação e do amor. É prodigioso a todos os niveis, desde a fotografia, ao "grilo" Morgan Freeman ea Hillary e a Clint que constituem das duplas mais viscerais e intensas que já vi. Paralelamente, não deixa de ser curioso o facto de Million Dollar Baby ser das suas obras mais aplaudidas e premiadas de Clint Eastwood. Só podia ser assim. Afinal é, a meu ver, uma das obras-primas deste novo século. P.R Mystic River
Se a tragédia aproxima as pessoas, também faz emergir o nosso lado mais negro. Aliás, este segundo mais do que qualquer outra coisa. Mystic River é um filme algo subconsciente. Tudo o que é importante, passa debaixo de radar, contido, conciso e com a quantidade certa de derrotismo. É uma obra sobre o vazio moral que toma conta das pessoas, nos momentos mais extremos. Clint Eastwood tem aqui uma das suas melhores provas como realizador. É subtil, é incisivo, é relevante, como não era desde Unforgiven. A partir daqui foi (quase) sempre a subir. not_alone The Brigdes of Madison County
Provavelmente a obra mais singela, mais refinada, mais elegante de Eastwood. Dividido nos papéis de realizador e de actor principal, Clint Eastwood oferece-nos, de forma inesquecível, uma história de amor. Um amor verdadeiro, real, que permanece platónico nos corações de Francesca e Robert, até ao fim as suas vidas. A história de um encontro improvável entre dois estranhos – ela já casada, dona de casa solitária; ele, fotógrafo, viajante em busca da inspiração perdida, em Madison County. Deste encontro nasce um sentimento tão imediato e provocante, mas ao mesmo tempo tão difícil de se concretizar. Os gestos de Meryl Streep, divinos, encantam a objectiva – não só da máquina de Kincaid, mas também da câmara de Clint Eastwood. É através da fotografia que Eastwod consegue, em cada cena, captar a doçura desta mulher que, a medo, tenta entregar-se a um sentimento novo, inigualável – através de uma chávena de chá, de uma dança, de um flash. Vi este filme pela primeira vez quando tinha 12 anos, mas é como se o tivesse visto ontem. É de uma delicadeza impressionante, tocante, onde Eastwood consegue captar o sentimento de uma relação que quer continuar, mas não pode. Quem pode esquecer a cena no carro, onde as lágrimas se confundem com a chuva, onde os olhares não querem dizer adeus. Ana Silva
Unforgiven
Naquele que terá sido o seu título de despedida de um género no qual se imortalizou, Clint Eastwood conseguiu também realizar o seu melhor filme, uma obra-prima que de certa forma engloba toda a mitologia cinematográfica do western, reunindo o que de melhor retirou do trabalho de grandes mestres – há nele a complexidade e anti-heroísmo das personagens de Ford, Peckinpah ou Leone, mas há também muito de Eastwood. Unforgiven é um western clássico, filmado com o ritmo, o rigor e a simplicidade a que o autor americano nos tem habituado desde que se estreou na realização, aproveitando da melhor forma um irrepreensível argumento de David Webb Peoples, e um excelente elenco que inclui Morgan Freeman, Richard Harris e Gene Hackman, mas também o próprio Clint, na que será das suas mais conseguidas interpretações de sempre, a meio caminho entre o eterno durão e o homem que sente no corpo o peso da idade, e na consciência o peso das mortes que deixou atrás de sí. Paulo Bird
Um filme que parece emergir do esquecimento, mas, que ainda assim, parece uma obra que passa ao lado de muito boa gente, e de muito boa gente que se delicia com a classicidade do cinema de Clint Eastwood. E o que ele faz aqui não é mais do que colocar o seu profundo amor pela música Jazz, e deliciar-nos com um pedaço da vida desse grande intérprete instrumental do género, Charlie "Bird" Parker. E sim, o filme repassa aqueles pontos que muitas destas personagens - destas andanças de vida, destes cantos do mundo, desta verve artística -teimam em colidir. As drogas, as infidelidades e toda aquela miríade de problemas emocionais que levam uma alma destas ao desencanto e às trevas. Mas está tudo tão serenamente filmado, com tanta categórica qualidade e tão bem assente nos ombros desse "grande" Forest Withaker, que só nos resta aproveitar o balanço, reconfortarmo-nos com a música e deixarmo-nos embriagar por esta bela obra. Duarte
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Estes são os nossos preferidos e é daqui que partimos para saber a vossa opinião. Votem na sondagem que está na barra lateral e caso queiram votar noutra obra digam qual em "Other". Dentro de poucas semanas divulgaremos os resultados. |
Para mim, são todos muito bons (à excepção de Gran Torino que ainda não vi, por isso não posso opinar). No entanto o meu voto especial vai para Mystic River.
Abraço